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domingo, 30 de março de 2014

Guia do Mestre para Aventuras Solo - Parte 3

Depois de um hiato de 15 dias, volto finalmente ao teclado para mais uma postagem de nosso Guia do Mestre para Aventuras e Campanhas Solo. O tema de hoje será a criação das aventuras e a condução das mesmas em mesa.

Aliás, muito do que a criação de aventuras representa num RPG pode depender do que o sistema, cenário ou subgênero de seu jogo adota como foco. Desse modo, o tema é de difícil explicação.

Em geral, a criação de aventuras para um só personagem respeita os mesmos princípios delineados no seu manual básico, qualquer que seja ele, mas algumas adaptações podem ser necessárias. O bom senso, portanto, é a primeira regra e a mais importante. 

Quanto à condução da aventura, isto é, quanto ao momento de jogar/mestrar, posso garantir que isso é completamente diferente do que quando se tem um grupo regular. Vamos dar uma olhada, então, em alguns detalhes.

1) A primeira sessão é a mais difícil.

A  primeira aventura será sempre um ordálio. Nem você, nem seu jogador estão familiarizados com o personagem. Por mais experientes que sejam, podem não ter percebido todas as forças e fraquezas do mesmo para combates ou cenas dramáticas, porque somente criar ou ler uma ficha não é o mesmo que pô-la à prova.

Desse modo, tente fazer com que a primeira aventura seja mais "aberta", isto é, com menor direcionamento, e maior liberdade de tomada de decisões por parte do jogador. Isso facilita a interpretação, permitindo que o jogador explore o personagem. Uma aventura que reconte o histórico do personagem, enquanto o coloca nos caminhos do tema de campanha, é o ideal em muitos jogos, e é um conceito bem pormenorizado no sistema Storyteller, quando aborda aventuras de prelúdio.

Por outro lado, pode ser que o estilo de jogo de vocês (ou do jogador, ou mesmo do próprio RPG escolhido) não se encaixe muito na ideia da descoberta mais lenta de possibilidades e limites, ou no detalhismo da interpretação prolongada. Nesse caso, você terá de optar pelo método oposto: mostre o quanto seu cenário pode ser amplo e explorável em apenas poucos minutos, então "ataque" o jogador com uma missão ou objetivo emergencial, para ditar logo um ritmo acelerado de jogo. Em D&D, esse sempre me pareceu o direcionamento mais funcional, mesmo quando eu jogava versões mais antigas que a "videogame de mesa", porque, ao menos para mim, Dungeons & Dragons é um subgênero à parte: histórias sobre aventureiros que desafiam o perigo em nome da glória, do aperfeiçoamento pessoal, do enriquecimento e/ou por puro altruísmo, realizando proezas impensáveis para pessoas comuns, têm de manter um ritmo mais enérgico para que o estilo seja preservado.

Vale ressaltar que, se essa é primeira vez de seu jogador com o cenário ou sistema em questão (ou mesmo no próprio RPG), um direcionamento mais intenso pode ser o ideal. Ditar ou enfatizar caminhos através de NPCs/PdMs ou conduzir o personagem a um determinado rumo de maneira mais "sutil" acaba se tornando uma boa pedida, nessas situações e somente nelas, para que o jogador não se sinta perdido, sem rumo.

Em última instância, uma afirmação meio óbvia: o tipo de jogador que você tem, dita o tipo de aventura que você criará e o modo como a conduzirá.


2) Foque todos os holofotes no jogador e no personagem dele.

Reduza a importância dos NPCs/PdMs grandões, aqueles sobre os quais o livro fala em quase todas a páginas, ou que você tanto ama ter criado para sua campanha. Pelo menos nas primeiras aventuras, a principal conduta é dar ao personagem um maior destaque. Isso fará seu jogador se sentir especial, sentir que seu personagem é único dentro do cenário e que tem relevância para a campanha.

Nas aventuras solo, um NPC que fala demais, ou aparece demais, entendia o jogador, ou faz ele perder a sensação de prestígio, e isso pode mesmo arruinar suas partidas. 

O NPC ideal para ganhar grande destaque é um vilão ou antagonista, por um motivo simples. Se ele rouba a cena de seu personagem, mas será punido no final de uma série de aventuras, a compensação será dada.

Grandões heroicos ou quase lendários funcionam melhor com jogadores que têm grande fascínio pelo cenário, talvez até maior que o seu (os tipos Ator, Narrador ou Explorador, conforme a descrição do D&D4e - Guia do Mestre). Fique atento a isso, mas use os figurões com sutileza. Ele ainda não pode ser o protagonista de nenhuma cena, mas pode ser a participação especial.

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3) Tome cuidado com as possibilidades de insucesso

É importante prever a possibilidade de seu personagem ter de fugir de um desafio ou combate, ou momentos em que ele terá falhas de consequências catastróficas para o enredo. Tenha algumas ideias preparadas de antemão para esse tipo de situação. A minha experiência mostrou que NPCs salvadores, para momentos em que o personagem (ou o jogador) não consegue resolver um problema sozinho, são péssimos. Não há sensação maior de frustração, mesmo que o NPC não seja um figurão, e tenha sido inventado na hora. Prefira abordagens mascaradas, como alterações súbitas nas circunstâncias (um terremoto afasta alguns inimigos, amedrontados) ou pequenas reduções na dificuldade do problema em questão.

Só permita que o jogador e seu personagem tenham falhas ou sejam derrotados em momentos específicos, quando esse é exatamente o foco de sua aventura, seu tema ou peça fundamental do enredo. Nesse caso, elabore bem como quer fazer isso, e não se esqueça de que seu jogador pode não estar preparado para algo assim. Capriche na narrativa, e use esses momentos com parcimônia. Normalmente, o jogador vai estranhar uma situação onde ele tem de fracassar ou ser derrotado para dar prosseguimento à história. Em vez de perceber que a sua intenção era criar um momento especial na campanha, ele pode achar que "você só dá o contra", que "suas campanhas são muito difíceis", que "seus NPCs são apelões", que "você não gostou do meu personagem", entre outras reclamações, que costumam acabar com a campanha na hora.


4) Aprenda a usar o SAVE e o RESET

 Não há nada errado em pensar num RPG como um "videogame de mesa", ou num "aprimoramento dos jogos de tabuleiro, com o acréscimo da interpretação". Quem acha que isso é ruim não percebeu ainda o quanto isso pode ser divertido, e que tem algumas vantagens. Duas delas são: "salvar" a partida em pontos estratégicos, como os famosos checkpoints, e poder resetar a partida, quando algo sai catastroficamente errado. Embora eu nunca tenha usado isso em campanhas para grupos, já usei umas seis ou sete vezes em minhas campanhas solo, e garanto que o resultado foi plenamente satisfatório para ambos os lados da mesa em, pelo menos, 90% das ocasiões (sim, infelizmente, nenhuma técnica é infalível).

A técnica funciona da seguinte forma: memorize o estado em que as coisas se encontram num determinado momento da partida, particularmente quando uma situação difícil está prestes a ocorrer; se algo imprevisto sair terrivelmente errado, simplesmente assuma que NADA aconteceu na história a partir do "ponto salvo" e pronto, volte no tempo!

Para que realmente dê certo, é preciso que a técnica seja combinada com o jogador, explicada e realizada com o seu consentimento (como, aliás, deve ser feito para todo o resto da campanha também). Também é preciso determinar certos limites, onde e quando o checkpoint é perdido, colocando um pouco da responsabilidade por fazer as situações alcançarem sucesso nas costas do jogador, e deixando claro que resets só serão usados para desastres que, realmente, não poderiam ter sido evitados.

Combates de alto nível de complexidade e dificuldade são a situação ideal para marcar um checkpoint e resetar, em caso de derrota do personagem, principalmente se você, como Mestre, estava contando com a vitória para dar prosseguimento ao roteiro e não usou a dica 3, acima, para esse caso. Situações interativamente dramáticas, como um diálogo perigoso contra um ser muito poderoso (física ou socialmente falando), por outro lado, quando resultam numa "caca" feita pelo jogador, são mais complicadas para uso da técnica, porque o reset acaba funcionando como uma "recompensa" para atitudes inescrupulosas ou impensadas, o que nós, definitivamente, não devemos encorajar. A melhor maneira de lidar com esse problema é evitar que ele aconteça, dentro da história. De todo modo, lembre sempre ao jogador que ele está construindo a história de forma compartilhada com você, e se a vaca foi mesmo pro brejo, pode ser que ele tenha aberto a porteira... (que analogia estranha, não?!)

Outra circunstância que não usa um reset é quando o sucesso sobre o desafio foi alcançado, e ainda assim o jogador acredita que ele poderia ter feito mais e melhor. A resposta a isso é explicar que outras situações parecidas ocorrerão, e haverá novas possibilidades para o personagem se sobressair, o que demonstrará que ele está ganhando experiência, em todos os sentidos.

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Bom, por hoje são essas as dicas. Por ora, o Guia do Mestre para Aventuras Solo está finalizado. Futuramente, haverá matérias específicas sobre como usar aventuras solo no meu RPG favorito (do momento, claro) D&D 4ª Edição.

Como sempre, se tem qualquer sugestão, dúvida, crítica ou elogio, use o voto nas Reações abaixo e poste um comentário.

Abraço e até a próxima!!

sexta-feira, 14 de março de 2014

Guia do Mestre para Aventuras Solo - Parte 2

Para a continuidade do nosso Guia do Mestre para aventuras e campanhas solo, hoje vou enrolar menos e dar mais dicas! E a temática de hoje é a criação da campanha. Isto é: o momento de pensar nos conceitos gerais, no foco da história, temática. Vamos lá?!

1) Pense simples.

Um dos grandes triunfos da mestrar RPG, sob o meu ponto de vista, é criar uma trama gigantesca, cheia de sub-tramas; incluir alguns eventos que ocorrem longe dos olhos dos personagens (ou em locais determinados e datas preestabelecidas, e se os personagens não estiverem presentes, azar o deles); e então ver todos os nós se desatarem diante dos olhos esbugalhados dos seus jogadores admirados, ao longo das aventuras!

MAAASS... se está pensando em mestrar esse tipo de campanha, você está começando errado.

Para mestrar solo, é importante sempre lembrar que aquele "algo em comum" das mesas em grupo, de que falei no artigo passado, não haverá mais. Nada de folgas para pensar e improvisar, enquanto os jogadores trocam ideias entre si, ou interpretam diálogos; nada de receber dicas a partir das suposições dos jogadores sobre a trama. E se isso não vai acontecer, qualquer perda de controle ou acontecimento imprevisto, que invariavelmente ocorrerá, significará a ruína de sua história. Toda aquela trama vai para o ralo e, em vez de jogadores surpreendidos com o grau de complexidade de sua história, você terá UM JOGADOR frustrado. E você não quer isso, quer?

Grave bem esse um jogador. É apenas uma cabeça pensante do outro lado da mesa, um só personagem sob o foco dos holofotes; isso significa menos capacidade investigativa para decifrar um enredo meticuloso e cheio de mistérios. E, em termos mecânicos, pode ser que o personagem criado não tenha características próprias para desvendar nem metade do que você está elaborando, e aí quem vai sair frustrado é você! Portanto, conscientize-se de que uma campanha não tem de se parecer com um algoritmo para programas de computador voltados a pesquisas científicas e estará evitando uma série de problemas.

Por outro lado, isso não significa que você possa criar uma campanha negligentemente. Planejamento de roteiro, sequências de eventos, NPCs interessantes... tudo pode e deve ser usado, pois, do contrário, seu jogador ficará frustrado com a sua falta de interesse. Mas nunca esqueça de ser moderado. Isso vai facilitar a sua vida.

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2) Comece pequeno; progrida lentamente.

Essa dica, eu diria, vale para qualquer criação de campanha, mesmo as de grupo. Você não é obrigado a pensar em todos os detalhes da história e planejar o que vai acontecer até o 30º nível de personagem (em termos de D&D); ou na série de eventos e intrigas que vai transformar um vampiro neófito em um ancião temido e respeitado (em termos de Vampiro: A Máscara), só pra citar alguns exemplos. Se quer mesmo fazer algo tão extenso, pense na ideia de escrever um livro, em vez de uma campanha de RPG...

Seu propósito, antes de tudo, deve ser alcançar a diversão. E não se esqueça que, se isso não for conseguido para ambos os membros da mesa (você e o jogador), pode ser que todo aquele roteiro que você escreveu e ensaiou nunca seja usado; outra vez, frustração na cabeça do Mestre!

Em vez antever uma campanha longa, preveja um momento marcante que ela deve alcançar para logo. Trace um objetivo de curto prazo e pense em palavras ou frases curtas que representem os "requisitos" para que esse objetivo se cumpra. E, quando estiver criando cada aventura, verifique se os objetivos estão sendo cumpridos e tudo ocorrerá naturalmente.

A propósito, você NÃO PRECISA ESCREVER TUDO EM QUE PENSA SÓ PORQUE EU ESTOU DIZENDO!! A dica é apenas para ajudar aqueles que já possuem uma boa tendência para escrever. Isso aqui não é um trabalho para a faculdade, ou a preparação de uma palestra para o pessoal do seu serviço. É diversão - e você só deve se envolver em tarefas que sejam divertidas para você. Se conseguir imaginar as metas de sua campanha, sem precisar de caneta e papel, parabéns, é seu estilo: continue com ele.

Cito como exemplo, mais uma vez, minha campanha "Lâmina Ardente", de D&D4e. Eu não vi problemas em escrever uns rabiscos nas folhas em branco do meu ex-caderno de faculdade, com coisas simples como:

 "A cidade de Vila da União foi fundada após uma série de demonstrações de heroísmo e amizade de um grupo formado de aventureiros de cada uma das raças que habitam a região";
"O vilão se chama Allester, e é um arcanista meio-elfo" (mas eu ainda não tinha pensado numa classe específica, permitindo-me uma hibridização narrativa, conforme a conveniência, até que me decidisse)
"Allester guarda um grave ressentimento contra a cidade. Ele planeja uma vingança, e está reunindo recursos, como servos, itens mágicos e pergaminhos de rituais, para quando o momento derradeiro chegar"

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3) Pegue 'dicas' com o jogador.

Lá no artigo passado, eu já havia comentado que, numa campanha solo, é muito provável que o trabalho de criar a trama, em um sentido geral, acabe sendo compartilhado. Isso é bem legal, e pode ocorrer por estímulo seu, ou mesmo espontaneamente. E isso pode acontecer em vários momentos, não só agora, durante a criação dos conceitos gerais da campanha, mas também ao longo das aventuras.

Se você  tem uma convivência realmente muito próxima com seu jogador(a) (por exemplo, se são marido e mulher, ou  irmãos), é inevitável que vocês conversem sobre a campanha ao longo das semanas, na hora do almoço ou do jantar, talvez até quando forem juntos a algum lugar, etc. Nessas horas, pode ser que o seu companheiro de mesa revele algumas ideias que ele tem sobre os próximos acontecimentos do enredo, ou o que ele gostaria que acontecesse. E se isso não acontecer naturalmente, você pode perguntar, não tem nada de mais.

Saber a opinião do jogador e ouvir suas sugestões vai te dar muitas cartas para guardar na manga. E isso não significa que você vai usar todas elas. Pelo contrário, pode ser que elas apenas acendam o pavio de novas ideias na sua própria cabeça, das quais você goste mais. Apenas não esqueça que a campanha tem de ser divertida, emocionante e agradável (em qualquer sentido) para ambos. Se você joga fora qualquer expectativa ou sugestão que ouve, terá um jogador crítico e ranzinza diante de si, porque ele sente que está sendo ignorado. Se ouvir ao menos uma em cada cinco sugestões, terá um jogador satisfeito.




4) Retorne ao planejamento ao longo do tempo.

Nunca considere que o trabalho com os conceitos e ideias da campanha está terminado. Com o progresso de suas aventuras e a colaboração de seu jogador, pode ser que algumas das suas ideias iniciais deixem de fazer sentido, ou possam ser substituídas por coisas melhores. E se você deixou lacunas para serem preenchidas mais tarde, chegará um momento em que elas precisarão da finalização. Portanto, deixe de preguiça e volte aos seus rabiscos, para ver o que dá pra aprimorar!!



E por hoje é isso aí. Trabalhe bem essas dicas na sua máquina pensante, comente suas próprias ideias aqui no Blog, compartilhe a postagem, se achar que ela merece, e vamos mestrar RPG!!


quarta-feira, 12 de março de 2014

Guia do Mestre para Aventuras Solo

Guia do Mestre para Aventuras Solo

Introdução

Ninguém pode dizer que dominou algum assunto sem estar incorrendo no erro do orgulho – há sempre algo mais a aprender, e ainda existe a possibilidade de se ter aprendido algo errado. Mesmo assim, pode ser que esse alguém já tenha aprendido o bastante para ser capaz de ensinar o que sabe a quem é menos experimentado, por assim dizer. É disso que nascem as dicas, tutoriais e manuais que superlotam a internet de nossos tempos, não é mesmo? Portanto, é apenas esperado que eu também me arrisque a fazer algo desse tipo no Blog. Mas o que pretendo fazer, antes de chegar ao tema dessa nova sessão de dicas, é explicar como cheguei a esse foco.


Em 17 anos de RPG, eu mestrei para vários e diferentes grupos, com diversos estilos de jogo, motivações, características. Em grupos diferentes, um mesmo sistema e cenário pode ser interpretado de maneiras distintas, seja porque as regras são entendidas de maneiras únicas, seja porque a narrativa ou interpretação tem mais ou menos ênfase, ou até mesmo porque os ícones de uma época eram diferentes de outra (por exemplo, um seriado da moda, ou o filme que estavam todos adorando). Contudo, mestrar para grupos quase sempre carrega algo em comum: o fato de existirem vários jogadores à sua volta, dá tempo ao Mestre de pensar em improvisos – volta e meio necessários para andamento do jogo – , nos momentos em que eles estão conversando uns com os outros (seja in game ou off game); além disso, é comum que as conversas entre os jogadores, quando eles estão tratando de assuntos do jogo, forneçam boas ideias para a continuidade da história. De todo modo, mestrar para um grupo regular (três a cinco jogadores) costuma ser pouco cansativo, porque na vez de cada um atuar ou agir, você pode respirar um pouco depois de uma narrativa prolongada ou interpretação tensa de algum PdM/NPC. Já mestrei até mesmo para jogadores que seguiam o jogo independente de mim, quando, ocasionalmente, eu cochilava no meio da sessão... E hoje é piada clássica no grupo que eu mestro melhor quando estou com sono!! (risos)


Outro estilo de jogo que mestrei bastante é o gênero das aventuras e campanhas solo. Refiro-me a quando você mestra para apenas um jogador, seja porque não tem mais nenhum outro jogador disponível, seja porque todo o restante do grupo faltou à sessão sem aviso prévio, ou porque vocês optaram por fazer algo mais indivualizado, por qualquer razão em que possam ter pensado. (Não confunda com as clássicas aventuras solo de livros-jogos, como Aventuras Fantásticas, em que você joga sozinho, seguindo as instruções dadas em diversos trechos não sequenciais de um livro de aventura). De certo modo, pode-se dizer que, em todo esse tempo, eu fui 50% Mestre de Grupo, e 50% Mestre Solo. Daí, posso afirmar que tenho alguma experiência com o gênero. E sei, por ler em vários fóruns e sites, e pelos comentários que recebo de vez em quando, que muitos Mestres se atrapalham nas aventuras e campanhas solo, algo que também aconteceu MUITO comigo, e ainda acontece de vez em quando...


Mas, afinal, por que os Mestres se atrapalham tanto com aventuras e campanha solo? O que há de tão complicado? Será mesmo que o jogo muda tanto? Sim, muda. E o principal fator de mudança está ali, naquele “algo em comum” que eu mencionei ao falar sobre mestrar para grupos: aquele algo em comum deixa de existir! Isso mesmo, numa sessão solo, deixam de existir as pausas para respirar, as dicas advindas de conversas tornam-se mais incomuns e a exigência narrativa sobre o mestre é bem maior. Por outro lado, numa aventura solo, podem ocorrer momentos memoráveis de interpretação, e quando as sessões estão indo bem, você pode ter certeza de que o jogo está ficando com a cara da dupla narrador-jogador; mais personalizado do que qualquer partida em grupo jamais permitiria.


Bem. Aconteceu, então, que recebi um comentário de um leitor do Blog, pedindo-me que escrevesse alguma espécie de “Manual” para esse gênero, e embora eu considere a proposta bastante desafiadora, pensei: “Por que não?” Afinal de contas, todas essas tentativas e erros da vida devem ter servido para alguma coisa. Portanto, começa hoje a sessão de dicas para mestres de aventuras e campanhas solo!!


Filosofia Nerd!

Para abrir os trabalhos, o tema de hoje é a preparação ou, na verdade, os antecedentes de jogo. Nesta parte, vamos elevar seus conhecimentos a respeito dessa modalidade rpgística. Parece filosofia perdida, mas você vai notar, com leitura cuidadosa, que tem cunho bem prático e podemos aplicar essas dicas a qualquer RPG, o que é muito legal.


1) Conhece-te a ti mesmo. A pérola de sabedoria mais usada da história vale bastante pra que você possa se preparar bem para mestrar para um só jogador. A ideia aqui é que você tem de saber exatamente por que você está mestrando para um só jogador e não para um grupo. Duas razões principais podem aparecer numa gama maior de facetas: ou você não tem outra opção, ou a opção foi exatamente essa.


A falta de opção é comum em pequenas cidades, ou quando você é novo no lugar, ainda alheio à existência de outros jogadores. Também pode ocorrer como resultado da separação de um grupo, por exemplo, porque a galera conseguiu empregos em outras regiões do país, intercâmbio no exterior, ou talvez alguém tenha perdido a empolgação para o hobby. Parece um tanto desanimador “ser forçado” a jogar no modo solo por falta de mais companheiros de mesa, não é mesmo? Então sua prioridade ao montar as aventuras deve ser tornar a coisa toda divertida, acima de qualquer outra coisa.


Uma situação bem diferente estará em suas mãos se você estiver metido nessa “encrenca” por vontade própria. Isso ocorre comumente quando se tem aquele amigo fissurado que quer fazer um personagem especial, diferente de tudo que é comum nas mesas. Ou, quem sabe, você está ensinando um novo sistema ou cenário para um jogador que está para entrar no seu grupo principal - talvez seja a primeira vez que esse indivíduo vai jogar RPG na vida! (Que responsa, hein?!) Também é possível que o modo solo pareça o melhor para você e seu jogador, porque um de vocês é “acanhado” ou não se dá bem com gente “de fora de seu círculo”. Mais uma possibilidade é usar de uma aventura solo como forma de criar um prelúdio bem detalhado e individualizado; assim, quando todos os personagens se encontram numa primeira sessão em grupo, cada jogador conhece bem as motivações de seu próprio personagem e o contexto de que ele faz parte. Por último, aventuras solo também se fazem perfeitas para sidequests, isto é, como alternativas à sua campanha principal, quando apenas aquele personagem poderia estar envolvido em um determinado enredo secundário.

Em resumo: nesse segundo cenário, você está mestrando para um só jogador porque você, ele ou ambos preferem que não haja a interferência de outros jogadores. Neste caso, montar uma campanha será mais trabalhoso, e para que ela dê certo, a chave está na descoberta dos pontos de interesse comum do sistema, cenário e gênero de jogo que vocês escolheram.


2) Conhece teu jogador. O filósofo Sun Tzu já dizia (mais ou menos assim) "se você conhece a si mesmo, e conhece a seu inimigo, pode prever o resultado de cem batalhas". Tá certo, o jogador para quem você vai mestrar não é seu inimigo (espero), mas tomar conhecimento - o mais acurado possível - sobre suas preferências, manias, motivações, etc, será peça-chave para seu sucesso como mestre neste estilo.

Pra começar, não assuma de antemão que você sabe com quem está lidando. Pode ser um amigo de longa data, a namorada(o) ou até mesmo seu irmão (a), porém, pessoas são seres volúveis e suas tendências e manias mudam com o passar dos anos, com o fluxo da moda e em decorrência de mais um monte de fatores que só um psicólogo poderia identificar. De qualquer modo, não seja presunçoso, ao elaborar suas aventuras, de pensar "eu sei bem do que ele(a) vai gostar". Deixe de preguiça, vista um Manto da Humildade +1 e investigue.

Você pode ser bem direto com seu jogador e propor uma conversa sobre o que ele gostaria de ver em campanha, que tipo de jogo ele prefere e quais são seus interesses, a curto, médio e longo prazo, para o personagem e para a trama. Mas isso nem sempre funciona, porque, às vezes, o próprio jogador não tem uma noção objetiva dessas coisas. Ainda assim, mostrar que você está interessado em tornar o personagem dele um protagonista de uma história memorável vai fazê-lo se empolgar e pensar nesses temas, caso ele ainda não tenha pensado.

Uma boa maneira de sondar o jogador é elaborar um questionário, e usá-lo durante a construção do personagem. Muitas das informações que você obtiver parecerão dizer respeito ao personagem, mas certamente o personagem encarnado diz muito sobre as preferências do jogador para esta aventura, nesta campanha. Exemplos de questões relevantes (os exemplos foram baseados em D&D, óbvio, mas informações parecidas podem ser obtidas em outros cenários/sistemas):

  1. Seu personagem é do tipo que se arrisca apenas quando o perigo envolve chance de recompensa?
  2. Seu personagem realizaria atos de heroísmo apenas pela sensação de dever cumprido ou de estar fazendo algo de bom?
  3. Seu personagem se sente atraído por mistérios a serem resolvidos ou prefere encarar momentos de ação direta e grandes riscos, como combates e perseguições?
  4. Seu personagem é um eterno viajante, sempre mudando de lugar para lugar, ou prefere ter um lugar para chamar de lar?
  5. O personagem gosta de ter companhia e de interagir com outras pessoas, ou prefere conversar o mínimo possível e não tem amigos?
  6. Qual é o momento mais emocionante de uma trama para você? (Essa questão tenta classificar seu jogador dentro de estereótipos de preferências de jogos, pra te dar uma noção do tipo de aventura que mais vai agradá-lo).
    • Depois de uma curta troca de insultos, você avança em uma investida veloz e potente contra o chefe da tribo orc que vem assolando a região. Seu primeiro golpe joga-o para trás e você aproveita o momento de desequilíbrio para arrancar-lhe ainda mais sangue com um segundo golpe, em círculo e tomado de fúria
    • Após uma discussão intrincada com membros influentes da corte, o personagem obtém favores ou uma posição considerável na política local e ainda consegue a humilhação de um nobre menor, que volta furioso pra casa
    • Depois de derrotar um bruxo assassino, seu personagem encontra um salão repleto de riquezas e itens mágicos, incluindo uma armadura forjada por um exarca de Moradin, sobre a qual cantava um bardo da vila. Essa armadura lhe trará grande poder!
    • Após sofridos dias de jornada pela Selva Sussurrante, seu personagem encontra o Penhasco dos Ecos Perdidos, um lugar temido por muitos, mencionado em várias lendas, onde dizem ter ocorrido uma guerra entre gigantes elementais, muito antes da humanidade ter migrado para esse continente. Ali, certamente você encontrará o esconderijo de Allevandor, o Apavorante, mestre dos Inumanos e Senhor dos Exércitos Bizarros
Como se pode ver, questões assim dizem coisas como: que tipos de tramas colocariam o personagem em atividade, que grau de interação ele terá com o cenário e os NPCs e de que forma você pode tornar sua aventura divertida e emocionante.


Pra te ajudar, uma leitura bacana é encontrada no Guia do Mestre de D&D4e, no trecho que fala sobre as Motivações de jogadores, classificando-os em Acumulador, Combatente, Ator, Narrador, Explorador, etc. (e conheço outros livros para Mestres/Narradores, de outros sistemas, que tratam do tema, por exemplo, o Storyteller's Guide for Changeling - The Dreaming). Só pra mostrar o quanto ele é útil, eu o li para minha noiva quando estávamos montando a campanha "Lâmina Ardente", e ela mesma se identificou como Acumuladora/Combatente. E o que isso queria dizer? Que agradá-la envolve combates, e que um bom vilão é aquele que pode tomar porrada na fuça!

Por hoje, ficam essas dicas. Aguarde por novas!

sábado, 1 de março de 2014

Poderes lendários para seus aventureiros!

Dádiva de heróis

Imagine o seguinte contexto:

Os aventureiros estão vivendo em uma cidade cuja história é recontada pelo povo através de lendas. As principais histórias falam de bravos heróis que ali viveram, e cuja vida deram para manter a cidade protegida de grandes males do passado. Esses bravos heróis, segundo alguns rumores, são vistos, às vezes, como espíritos de luz celestial, em momentos especiais, apenas por quem for “merecedor”.

Durante uma boa etapa de sua campanha, os personagens permanecem nessa cidade, usando-a como sua “base de operações”, ou adotando-a, de fato, como seu lar. Então, algo catastrófico acontece, e os aventureiros lutam pela salvação do lugar. Conseguirão proteger o povo? Descobrirão as causas do problema e enfrentarão um grande vilão por trás de tudo?!

Não importa o que ocorra adiante, ao final dessa etapa de sua campanha, os protagonistas virão a encontrar, em forma espiritual, os bravos heróis lendários da cidade. E eles os recompensarão pelo seu esforço - ao mesmo tempo em que os convocam para uma grande missão de longo prazo, talvez – concedendo-lhes pequenos poderes: Dádivas!


Roubando uma ideia? Desenvolvendo a ideia!

O conceito de pequenos poderes recebidos através de dádivas (“boons”) surgiu na 4e edição do D&D no excelente Dungeon Master's Guide II. Basicamente, você está recebendo as propriedades e poderes de um item mágico, sem bônus de melhoria pra nenhuma característica e, em contrapartida, e sem ocupar “slot” no corpo do personagem e sem se preocupar com qualquer objeto físico que possa ser perdido ou roubado.

O artigo de hoje, portanto, não traz nenhuma novidade. O contexto que aqui descrevo, porém, é um desenvolvimento dessa ideia. Ou seja, através de um contexto, eu trago exemplos de “Legendary Boons”, que serão conferidos aos seus personagens por espíritos de grandes heróis.

O nível de poder que será concedido ao personagem que receber uma destas dádivas depende do estágio de jogo em que ela for recebida, exatamente como ocorreria com itens mágicos. Mais importante que isso, entretanto, é que a dádiva seja concedida no momento certo do estágio. O mestre pode optar por ceder estas dádivas como substitutos de itens mágicos dos Tesouros padrões, e/ou remover a quantidade apropriada de valor monetário de um nível de jogo para compensar a dádiva que será conferida. Para isso, cada Dádiva tem um nível e um valor em peças de ouro. Lembre-se, porém, de que elas não podem ser compradas.


Aventureiros de tempos passados

Os primeiros quatro espíritos a seguir relacionados foram heróis consagrados na história da cidade em que os personagens têm vivido sua campanha. Eles são caracterizados por meio de descrições de raças e classes icônicas na história de D&D, mas não é obrigatório que os poderes conferidos por esses espíritos sejam dados a membros dessas mesmas classes, a menos que isso pareça interessante para o Mestre e para o grupo de jogo.

Um quinto espírito heroico foi incluído na lista, para não deixar ninguém de seu grupo de jogo na mão, afinal, a maioria dos grupos de jogadores de D&D4e deve ter cinco membros, segundo as regras! Você, Mestre, pode descrevê-lo como membro de uma das raças e classes “novas” do sistema. Ele representa alguém que se destacou como herói, a ponto de ser recebido entre os outros espíritos como um companheiro, mas que não foi muito conhecido pelo povo em geral.

  • Batalin, anão guerreiro: (Nível 3, 680 po; Nível 8, 3400 po). Armado de um martelo de guerra e um grande escudo, Batalin especilizou-se em proteger seus companheiros de aventura, a quem ele amava como sua família, pois era o último membro de um antigo clã anão extinto por uma guerra. O herói que receber sua dádiva terá o seguinte poder:
    Poder (Encontro): Ação livre. Quando um inimigo ajusta ou se move antes de realizar um ataque contra o personagem, este pode escolher receber +1 de bônus na defesa atacada pelo inimigo e qualquer movimento forçado sofrido é reduzido em 1 quadrado. Pode-se acionar o poder após a rolagem do ataque inimigo ter sido feita. Nível 8: o bônus recebido é de +2 e o personagem também não pode ser derrubado pelo ataque sofrido.

  • Fentin, halfling ladino (Nível 3, 680 po; Nível 8, 3400 po). De pés peludos e cabelo encaracolado, com uma adaga curva à mão e um cachimbo aceso à boca, Fentin fazia galhofa de seus inimigos, confundindo-os, enquanto descobria seus pontos fracos, para feri-los mortalmente. Ficou conhecido por resgatar seus companheiros do perigo uma dúzia de vezes, graças a sua grande capacidade furtiva. O herói que receber sua dádiva terá a seguinte propriedade a sua disposição:
    Propriedade: sempre que tiver Vantagem de Combate sobre um inimigo, o personagem recebe +1 de bônus nos danos de ataques feitos com Arma. Nível 8: o bônus ao dano é de +2.

  • Anaela, maga elfa (Nível 4, 840 po; Nível 9, 4200 po). Embora possa ser reconhecida como uma eladrin legítima, Anaela era chamada de 'elfa' em seus tempos de aventura. Era uma pessoa gentil, de voz melodiosa, muito bela, mas também vaidosa e orgulhosa de seu grande poder. Tornou-se uma especialista em mísseis mágicos. O herói que receber sua dádiva terá o seguinte poder à sua disposição:
    Poder (Encontro [Especial]): Sempre que usar um poder de ataque por encontro e Fracassar no teste de acerto, o personagem causa 3 pontos de dano ao alvo de seu ataque, apenas em caso de seu poder não causar dano por si mesmo com um Fracasso. O poder pode ser acionado após qualquer poder de ataque por encontro do personagem. Nível 9: o dano causado por este poder também é usado como dano adicional no caso de acerto de um poder de ataque por encontro. Esse dano adicional é considerado um bônus de poder.

  • Trentor, clérigo humano (Nível 5, 1000 po; Nível 10, 5000 po): Trentor era um homem robusto, de barba hirsuta, devoto irremediável de Pelor. Dizem as lendas que foi trazido de volta à vida mais de uma vez pelo poder de seu deus, diante de inimigos atônitos. O herói que receber a sua dádiva terá uma propriedade e um poder:
    Propriedade: +1 nos TRs contra dano contínuo dos tipos necrótico, sombrio ou congelante e +1 de bônus de item nos TRs contra morte.
    Poder (Diário*Cura): Ação Mínima. O personagem pode gastar um Pulso de Cura e recebe +1d6 pontos vida adicionais.

  • Quinto espírito (Nível 3, 680 po; Nível 8, 3400 po). A dádiva deste espírito é o seguinte poder:
    Poder (Encontro). Ação mínima. O personagem recebe +1 de bônus nos danos de todos os seus poderes de ataque até o começo do seu próximo turno, se pelo menos um de seus aliados estiver sangrando e recebe Pontos de Vida Temporários iguais ao seu modificador de Constituição.

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