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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Guia do Mestre para Aventuras Solo - Um herói solitário em D&D !!

Desde sua concepção, muitas décadas atrás, Dungeons & Dragons foi pensado para ser um jogo de aventura, ação e fantasia épica envolvendo tática cooperativa e a interação de um grupo de aventureiros que, bravamente, desvenda mistérios, explora áreas perigosas, enfrenta vilões e cumpre missões. Essa essência esteve lá em cada versão, desde o D&D Clássico, passando pelo AD&D, o D&D 3.x e a minha amada 4ª Edição, chegando até a minha nova grande amiga, a 5ª edição.

A referida essência do estilo D&D parece ditar como obrigatória a formação de grupos de personagens, usualmente com 3 a 6 membros, possuindo características e áreas de influência diversificadas e complementares, para que as aventuras sejam interessantes, ou mesmo coerentes com o estilo. Por conta disso, muitos jogadores e mestres tendem a acreditar que é improvável, senão impossível, a realização de uma boa campanha envolvendo um único jogador e o Mestre. Já houve tempo em que, de fato, em muitos fóruns, sites e redes sociais pela internet afora, a recomendação predominante seria "não jogue D&D em aventuras-solo". Por sorte - ou azar, vai saber -, maior é o número de jogadores e mestres que têm apelado para essa modalidade, no intuito de não deixar o hobby se perder diante de dificuldades diversas, e com isso muitos novos adeptos do modo single player têm sido iniciados.

Só que jogar Aventuras Solo em D&D é bastante desafiador! Há certos problemas na mecânica e no estilo descrito que provavelmente não se apresentam (ao menos, não da mesma forma, ou com a mesma intensidade) em outros sistemas populares. Mais preponderante de todos, a complementaridade de personagens de classes diferentes em combate e cenas de ação é crucial para cálculos corretos dos desafios. Então, como fazer?

As dicas desta matéria devem ajudar os Dungeon Masters novatos a darem início às suas aventuras. Muitos dos exemplos que uso remetem à 4a edição de D&D, mas você pode usar essas sugestões em qualquer versão, sem necessidade de muita adaptação. Não deixem de ler também as dicas que já foram apresentadas em outras partes do Guia do Mestre para Aventuras Solo.

1. Não há classes inadequadas: 

Um dos conceitos mais erroneamente utilizados em dicas que eu vi, principalmente durante o "auge" da 4ª edição (estou usando aspas, porque muita gente poderia considerar isso uma ironia), é que há classes de personagem que não servem para o jogo solo. A razão dessa preocupação é que, como você já deve estar ciente, algumas classes têm poucos Pontos de Vida ou poucos recursos para se proteger ou para enfrentar condições hostis e sobreviver.

Esqueça isso. Tudo vai depender da proposta do jogo, que, obviamente, está nas mãos do Mestre. E, como já falei em capítulos passados de nosso Guia, o ideal é que a proposta de jogo seja elaborada de acordo com o personagem do jogador, reunindo ideias e demonstrações de preferência do próprio jogador. Mais importante ainda, é que o jogador entenda e aprecie a proposta de jogo, para interpretar e utilizar seu personagem apropriadamente. Além disso, uma aventura de D&D, mesmo quando carrega grande foco em combates, não pode ser apenas combates, sob pena de você fracassar como Mestre, apresentando uma aventura tediosa e repetitiva; logo, PVs não devem ser os únicos recursos na sua mente ao elaborar as aventuras (mas não se esqueça deles!)

Vamos a alguns exemplos:

Mistérios envolvendo seres de outros planos, segredos arcanos disputados por seitas seculares e muita intriga e conspiração podem tornar magos e bruxos o foco de uma campanha, e serem totalmente contraindicadas para classes como o guerreiro ou o bárbaro (embora algumas histórias de Conan possam atestar o contrário). Dos três pilares clássicos de D&D, com certeza serão mais utilizados a Exploração e a Interação Social com PdMs, e os Combates aparecerão em cenas dramáticas. Para garantir que o XP apareça nas aventuras, não deixe de recompensar a interpretação satisfatória de cenas onde o personagem obtém novas informações, ou negocia algo importante, principalmente quando houver o risco de uma falha na negociação se tornar um combate mortal. Na 4ª edição, Desafios de Perícia serão mais frequentes que Combates, e ajudarão a manter a contagem de XP em ascensão, enquanto provavelmente evitam a morte prematura do seu personagem solitário.


Rixas da nobreza de regiões fronteiriças, que podem deflagrar conflitos de guerrilha e batalhas campais, e a ameaça sempre presente de tribos de humanoides brutais nas áreas selvagens do mundo geram histórias fundamentadas na ação, nas proezas físicas, na superação dos limites do corpo, na bravura e na astúcia. Sem dúvida, histórias como essas precisam de heróis pujantes e ágeis, sobreviventes natos. Acha mesmo que ratos de biblioteca cheios de não-me-toques e reclusos estudiosos de forças do além servem para aventuras assim? Repense seus conceitos. Vamos, eu te dou tempo...........Okay, você entendeu. Aventuras como essas são para Guerreiros, Patrulheiros, Bárbaros, Paladinos e Clérigos, sem contar uma gama ainda maior de classes que podem não estar nos livros mais fáceis de encontrar, ou que são restritas a essa ou aquela edição de D&D (como meu favorito, o Senhor da Guerra, e o versátil Lâmina Arcana, ambos da 4ª edição). O esquema dos três pilares clássicos aqui se apresenta de outra forma: o maior foco está em Combates, às vezes substituídos por Desafios de Perícias fundamentalmente físicos (ou seja, Acrobacia, Atletismo, Furtividade e Tolerância, com Percepção, Intuição e Intimidação aparecendo como variantes); há bastante Exploração e a Interação Social apenas dá andamento à história, servindo como o ponto de começo, um ocasional interlúdio e o destino final das missões a serem cumpridas.

2. Use moderadamente a Masmorra Clássica:

Por experiência própria, posso afirmar categoricamente que o conceito clássico de dungeon é tristemente aplicado numa aventura solo, principalmente se você não quiser utilizar PdMs companheiros por algum motivo.

A principal razão é que as dungeons passam a ser pouco coerentes, caso você faça os desafios ali presentes serem "adequados" ao poder combativo ou à perícia de seu aventureiro solitário.

Imagine comigo um refúgio de uma tribo de kobolds, o qual foi construído nos corredores rochosos naturais de uma caverna, sob uma montanha. Quando pensamos em tribo de kobolds, logo imaginamos uma quantidade descomunal dessas criaturas irritantes, e uma boa dose de armadilhas e perigos, servindo de salva-guarda em caso de invasores aparecerem. Mas, numa aventura solo criada com critérios equilibrados, para ser vencida com os recursos tradicionais, essa tribo terá de ser bem pequena, potencialmente fraca, e significativamente menos esperta do que o que se deveria esperar, fazendo muito menos sentido. Em termos de mecânica de jogo, o XP dos Encontros vai estar dentro de limites estabelecidos pelo número de membros do  "grupo", certo? Ou seja, um jogador. Mas ao olhar para o resultado, você vai se perguntar "Afinal, por que ninguém teria vencido uma tribo tão mixuruca antes de seu aventureiro chegar lá? Como é possível que ela não tenha sido dominada e escravizada por seres mais fortes e cruéis?"

Uma história bem elaborada e acessível ao jogador (bem como ao personagem) pode justificar um covil enfraquecido e permitir uma ou outra masmorra na sua campanha, mas o ideal é fugir do óbvio. Conecte os Encontros de sua aventura por elementos de história, como sequências de eventos, e você evitará um bocado de questionamentos sobre a lógica das coisas. Aventuras em áreas abertas e regiões selvagens, onde os Encontros combativos não são conectados por "corredores" e "portas secretas", segundo as minhas experiências, parecem funcionar melhor.

Por outro lado, pensar de forma abrangente vai te permitir usar o modelo clássico de vez em quando. Lembrando que o conceito de dungeon é mais amplo em nosso jogo do que o termo original poderia indicar, você pode ser capaz de pensar em cenários onde faça sentido uma pequena quantidade de inimigos estar presente, em uma série de salas conectadas por corredores, ou algo que se pareça com isso.

Numa pequena aventura que criei tempos atrás, tínhamos a seguinte história: um rico comerciante pede desesperadamente pela ajuda de um aventureiro, para encontrar seu filho desaparecido. O garoto havia fugido após uma discussão familiar. Investigando o caso, era possível o PJ descobrir que o jovem tinha corrido para o cemitério da cidade.

Rumar para o cemitério dava início ao conceito clássico de dungeon. Algum animal selvagem perambulando junto ao portão do cemitério fazia o primeiro encontro. Ladrões de tumba (que, em verdade, eram cultista de um deus maligno da morte) envolvidos em algum ato profano eram o segundo encontro. Mortos-vivos se erguendo do chão, às portas de um mausoléu, eram o último encontro. O garoto estava se escondendo lá dentro do mausoléu, desde a noite anterior.

Claro que esse exemplo é bastante linear, 'rail road adventure', e isso pode ser chato para alguns jogadores, mas tem um índice significativo de jogabilidade, além de adotar uma forma prática, que nem mesmo precisa de mapas muito detalhados. Além disso, lembrando-se de que uma das regras para as Aventuras-Solo em geral é "pensar simples" (o que permite ao jogador que traga e faça suas próprias complicações, durante a interação), você vai se dar bem.


3. Criando Encontros de Combate por Função:

O senso comum para a criação de Encontros de Combate diz que devemos oferecer a nossos jogadores e seus personagens desafios interessantes. Em geral, os Mestres tendem a entender "desafio interessante" como "combate difícil", e valorizam as táticas dos monstros, o uso de terrenos vantajosos e inovações e improvisos para personalizar cada inimigo.

Mas, ao criar um desafio para um único jogador, é preciso lembrar do óbvio: é um único jogador. Sozinho, ele terá de confrontar cada tática, cada monstro e cada "sacanagem" que você puser contra seu personagem. Mesmo que seu cálculo para o nível de dificuldade do encontro pareça proporcional ao "tamanho do grupo", é preciso estar atento aos recursos e táticas disponíveis ao personagem em jogo. Em média, a dificuldade real dos encontros será maior que a indicação dos cálculos.

A 5a edição ficou "esperta", e já leva esse aumento de dificuldade em conta nos cálculos, aumentando o multiplicador de estimativa em caso de um só personagem. Mas mesmo assim, é preciso um pouco de prática e análise dos monstros e táticas utilizadas. A "cancha" de mestre vem com o tempo, mas aqui é obrigatória. "Conhece a teus monstros" é o provérbio de ordem.

Na 4a edição, temos uma grande vantagem na classificação dos monstros por funções. O Guia do Mestre orienta bem sobre quais dessas funções que obtêm vantagem sobre cada função de PJs, mas um pouco desse entendimento só vem com a prática recorrente. Além disso, observe bem as características gerais do monstro em questão e não exceda o PJ em mais que dois níveis para selecionar o nível do monstro.

Uma boa norma é evitar monstros cujas funções ou características possam facilmente superar os recursos disponíveis ao seu PJ. Por exemplo: monstros capazes de ficar invisíveis ou voar, nos primeiros níveis de campanha, só servem para frustrar seu jogador e arruinar a história. Um monstro capaz de disparar ataques a uma distância segura, onde o PJ não é capaz de chegar facilmente, principalmente se seus ataques são fundamentalmente de corpo a corpo, também deve ser evitado. As exceções a essa regra vêm na forma de planos táticos, ou seja, quando você, como Mestre, ou seu jogador, for capaz de elaborar uma saída para a situação, explorando recursos de terreno, apetrechos, fraquezas do monstro, etc. Quanto mais acessível for esse plano, ou quanto mais planos forem possibilitados pela situação, maiores as chances de um encontro contra um monstro difícil dar certo.



2 comentários:

Edu Trevisan disse...

Bom post! Estou mestrando apenas uma pessoa há algum tempo e o resultado tem sido positivo... :)

Giovane do Monte disse...

Valeu, Edu Trevisan. Se tiver alguma experiência legal ou curiosa para compartilhar, sinta-se à vontade para usar deste espaço. :)